A hIsToRiA & A FiLoSoFia
Este blog visa a publicação de materiais relacionados a essas apaixonantes áreas do conhecimento.
domingo, 28 de junho de 2015
quarta-feira, 24 de junho de 2015
terça-feira, 2 de junho de 2015
“Milagre, um bom negócio” Ricardo Gondim
Casas Bahia e Magazine Luiza disputam o mesmo mercado. As
duas lojas se engalfinham para abocanhar o filão dos eletrodomésticos,
guarda-roupas de madeira aglomerada e camas de esponja fina. Buscam conquistar
assalariados, serralheiros, aposentados e garis. Nos comerciais da televisão, o
preço da geladeira aparece em caracteres pequenos, enquanto o valor da
prestação explode gigante na tela. A patuleia calcula. Não importa o número de
meses, se couber no orçamento, uma das duas, Bahia ou Luiza, fecha o negócio –
com um juro embutido entre os maiores do mundo.
Toda noite, entre oito e dez horas, a mesma cantilena se
repete nos programas evangélicos na televisão. Pelo menos quatro “ministérios”
disputam outro mercado: o religioso. Caçam clientes que sustentem, em ordem de
prioridade, empreendimentos expansionistas, ilusões messiânicas e o estilo de
vida nababesco de seus líderes. Assim, cada programa oferece milagre. Cada um
alicerça a promessa de que Deus vai prosperar, amenizar problemas matrimoniais,
resolver causas na justiça com testemunho. Entrevistam gente que jura ter sido
brindada pelo divino. Não faltam documentos, exames médicos, carros luxuosos.
Deus teria usado aquele apóstolo, bispo, missionário, para abençoar inúmeras
pessoas para uma vida sem sufoco.
Infelizmente, o preço do produto religioso – o milagre –
também não é explicitado. Alardeia-se apenas a espetacular maravilha. As
letrinhas, que não aparecem na parte de baixo do vídeo, caso fossem reguladas
pelo conselho nacional de propaganda, teriam que deixar claro, por mais
“ungido” que for o missionário, que em nenhuma dessas igrejas televisivas o
milagre é gratuito ou instantâneo.
Um monte de exigência vem embutida na promessa de bênção:
ser constante nos cultos por várias semanas, contribuir financeiramente para
que a obra de Deus continue e, ainda, manter-se corretíssimo. Um deslize
mínimo, um pecadilho qualquer, impede o Todo Poderoso de concretizar a
maravilha. E ainda tem a falta de fé como critério inegociável. Qualquer dúvida
é considerada um obstáculo, que mata a possibilidade do milagre.
Considerando que a rádio também divulga prodígios a granel,
como um cliente religioso pode optar? Deus apontou o dedo para qual igreja,
missionário, apóstolo, pastor ou evangelista? Quem foi “ungido” representante
do divino para o privilégio de “operar” esse sem-número de milagres? Um pai que
sofre com uma filha com leucemia aguda, não pode se dar ao luxo de errar. Se
apela para uma igreja com pouco poder sobrenatural, perde a filha. O seguro
seria ele frequentar todas. Mas como? Ele é pobre e não tem como fazer todas as
campanhas que produzem o extraordinário.
O acesso ao milagre
se complica ainda mais porque essa igrejas-empresas gastam milhões para
veicular na mídia um valor simbólico: exceção. Sim, no milagre ofertado pelos
televangelistas está a expectativa egocêntrica de que o Todo Poderoso
distinguirá apenas um punhado entre todos os outros sete bilhões de habitantes
do planeta. “Deus abrirá uma brecha na ordem da vida para privilegiar você”.
“Outros podem padecer nos corredores sujos de ambulatórios médicos, mas você
que veio aqui na igreja X, não precisará passar por tanta humilhação”.
Lojas de eletrodoméstico vendem eletrodoméstico, óbvio.
Igrejas evangélicas comercializam a esperança. Elas fortalecem a ideia de que
existem agenciadores do favor divino. Alguns com exclusividade. Pelo serviço
cobram caro, muito caro. Afinal de contas, um produto celestial não pode ser
negociado como bem de quarta categoria. Os televangelistas só oferecem
“Brastemps” vindas do céu.
Mas, a dúvida persiste: qual o melhor balcão de serviços
religiosos? Que varejista está mais aparelhado para distribuir os favores
divinos? Os vendilhões do templo de hoje não se comparam aos do tempo de Jesus.
Eles se escolaram no marketing. Especializaram-se em conforto. Valem-se da
linguagem piedosa que confunde fé com credulidade. Se as grandes redes
comerciais devem se conformar ao Código do Consumidor, as igrejas hábeis em
produzir milagre não passam por nenhuma regulamentação. Se algo der errado, o
cliente nunca tem razão. Se a leucemia matar a filha, o pai, além de enlutado,
acabará responsabilizado pela perda. Terá de escutar que a menina não foi
curada porque o diabo entrou por alguma “brecha” e matou. Ou que alguém da
família não “perseverou na fé” ou “não honrou a Deus com o dízimo”.
Assim como na música do Chico Buarque os frequentadores
dessas igrejas-caça-níqueis encarnam o Pedro Pedreiro e ficam “esperando,
esperando, esperando.
Esperando
o sol, esperando o trem. Esperando aumento para o mês que vem. Esperando
um filho prá esperar também”.
Mercadologicamente, Casas Bahia e Magazine Luiza se
comportam com critérios éticos bem à frente de algumas igrejas. Melhor assim,
geladeira nova é bem mais útil do que a ilusão do milagre.
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